quinta-feira, 30 de abril de 2009

A carne é fraca

O céu amanheceu em cores clandestinas? ou foi ele quem dormiu em lençóis proibidos e, por isso mesmo, tinha a visão tão influenciada e tão subversiva.
Com um charuto barato entre os dedos. Sentado na escadaria da Igreja, não sentia nenhuma vontade de voltar pra casa. Precisava de mais tempo para digerir todas aquelas luzes e, assim como um prisma, divorciar todas aquelas cores da noite anterior, refletidas naquela manhã.
Enquanto isso, o resto da garrafa de vinho repousava no chão, próximo ao seu pé, já que não houve nenhuma necessidade de que se embriagassem. Inebriados que já estavam um com o outro.

Tomou um longo gole da garrafa. Baforou o charuto.
_ Meu Deus, ela é mulher de um amigo.


Oscilando entre a culpa e um largo sorriso que queria tomar suas faces. A fumaça do charuto tinha outro perfume e tinha medo de se demorar em uma piscada de olhos, a culpa vencia no reino das imagens. Talvez, fosse apenas isso, o sentimento do corpo dela se deu com outros sentidos.

Mais um gole de vinho, mais uma baforada.

Teve que sair enquanto ela dormia. Mas, mesmo assim, não foi simples. Uma mulher tão linda, não é abandonada tão facilmente. Ainda mais com o calor do quarto e a certeza do frio que fazia lá fora.

Bateu as cinzas.

Três meses. Lembrava-se perfeitamente do amigo dizendo; “acho que estou apaixonado por ela”. E como poderia não estar? Perfeito exemplar feminino. Inteligente, interessante. Morena de olhos escuros, negros. Corpo pequeno e delicado, sempre com um perfume suave que lembrava maracujá, tranquilizante tal qual a fruta. Inversamente proporcional à sua personalidade. De raciocínio aguçado, humor tempestuoso [ou aparentemente tempestuoso, já que o utilizava para conquistar tudo aquilo que queria... lágrimas para comover, sorrisos para encantar, gritos para intimidar. Quase que milimetricamente planejado, encenado. Será?]

Tomou o resto do vinho do porto. Continuou parado, olhando pro rótulo.

O fim da semana seria dos dois, mas nada havia sido planejado. Encontraram-se no supermercado, a viagem que seria feita pelo casal de namorados, foi feita somente pelo amigo e ela ficou sozinha na cidade. Ele não resistiu a boa companhia para um filme, decidiu pelo vinho do porto ao invés da vodka, amiga das horas de trabalho na frente do computador. Se não fosse pelo encontro, passaria a noite trabalhando, mas sim, a sessão de cinema lhe pareceu bem mais interessante.
Vinte e cinco minutos de filme, isso é pouco mais que as prévias dos lançamentos no inicio do dvd e os olhares já haviam se trocado algumas vezes. Este é o problema [ou solução] do cinema, com o silêncio durante a exibição, as bocas encontram, muitas vezes, outras utilidades que não o uso da fala.
Talvez, se tivesse prestado um pouco mais de atenção no filme, teria pensado melhor. Um tal de "O Búfalo da Noite", que lhe indicaram como um filme muito bom.

Deu a última baforada e jogou pra longe a ponta do charuto. Na mesma hora em que vinha um bêbado cantando. Quanta maldade, parecia que o mundo estava contra ele e, constantemente, jogava em sua cara o "crime" que havia cometido. O bêbado cantava um pouco do seu momento, cantava Waldick Soriano. "Como os bregas sabem enfiar o dedo na ferida", pensou ele.
Já estava feito e ele não podia voltar atrás. Teria sido mais seguro não ter sentado na igreja em frente a casa dela, mas ele nem pensou nisso. Quando percebeu ela já estava encostada na porta da casa, enrolada na colcha e olhando pra ele. Tão linda. Ele desceu a escada e foi andando em direção a ela. Antes que dissesse qualquer coisa a mulher aproximou o rosto de seu ouvido e disse; "Amo o cheiro de cigarro na sua barba" e mordeu seu pescoço de leve. Não existia mais crise, a consciência lhe deu um tempo.

1 comentários:

Cynthia disse...

muito bom...aliás, como todos os outros textos do blog...
Beijos
:D