sábado, 2 de maio de 2009

e os orgasmos múltiplos

“Só tenho inveja dos orgasmos múltiplos” foi assim quase com um tom de ódio e necessidade, que vociferava usando o mano Caetano.

Desistira. “entender quem poderia?” “não, não é possível, nada fiz que não fosse chamado”. Entrara na ciranda de roda onde ninguém roda, a não ser, é claro, o próprio. Que ainda estupefato e perplexo, como o mais nobre pêlo curto brasileiro, caído de tanto cirandar – sem eira nem beira – tentava no mais vão dos esforços, elaborar a mais infame e ingênua teoria dos fatos.


Pagou o pingado, jogou o resto do pão ao nobre colega, que o rabo abanava em sinais de fome e condolências, e foi para casa, dormir o sono que julgava merecer.

Às duas da tarde, encarou-se no espelho, buscou o mais fiel e barato conhaque no armário da cozinha e deu início – antes, porém, executou a playlist necessária: Waldick, Rossi, Altemar, Nélson – à prova dos noves, o tira-teima. Tolo, ali começaria sua expiação.


Trazia no copo o soro da verdade, bebida que poucos se atrevem sem a escola etílica no currículo. No ouvido aqueles que trégua não dariam. Era eminente, dali não mais fugiria. As contrações se encontravam no mais avançado dos estágios.

Como de costume, choramingou algumas pragas e deixou uma lágrima lhe escapar.

A mordida nos lábios e o aperto no copo foram suficientes para deterem as que ali esperavam seu destino.


Tsc! Pobre tentativa soavam os primeiros acordes e os versos não mentiam, lhe revelavam a cilada. A lágrima fez-se choro e o choro virou pranto. Como, de forma tão sutil e confortável, emaranhou-se em teia tão ardilosa?


Era tão perfeito!! A doçura de um lar, a tranqüilidade daqueles que amam amadurecidos pelo tempo; a paixão vociferante, os suores e desejos mais animalescos. A sacanagem mais pura e bela, o morde e lambe mais gostoso, e por ora provado; as conversas mais longas e verdadeiras que alguém pode ter, do botequim para a cama, o sexo era pretexto. Ali as idéias reinavam, política, mulher, futebol, inconsciente coletivo, minuciosamente tratados e explanados. O banquete platônico dos tempos pós-modernos.


Como poderia não deixar-se levar? “Qual o insano não se entregaria a tal situação?” cada qual em seu logradouro, separados por bairros e estórias as mais diversas. As juras e promessas pereciam nas findadas 24 horas e nada mais se cobravam, mutuamente. O amanha era tão distante, que viviam os deleites permitidos e desejados. Se voltasse amanha seria bom, se não, que maravilha o depois de amanha, seria blindado também com o sabor da saudade.


O primeiro flerte, escolhendo maçãs no supermercado novo, inaugurado há pouco no bairro vizinho. O segundo, numa balada putz putz meio estranha, na zona sul da cidade. Já o terceiro por sua vez, no mais nobre botequim do antigo baixo meretrício e tudo isso, acreditem, no parco espaço de um mês.


Como se desdobrava durante a semana. Por sorte cada qual com seu dia de inspiração. E tome lotação, trem, carro de aluguel e demais meios de condução. Amizade já quase consolidada com os respectivos condutores.


Tarde preguiçosa, surge o convite: “vamos à casa de meu avô? Almoço, bebida e música”. Mas é claro, quem não iria a programa tão convidativo?! Tratou de desmarcar o botequim da próxima semana, assim como o filme com pipoca de quinta-feira, que também já estava agendado.


Partiu, portanto, para o final de semana familiar. Inusitado desde o convite, já que partira da mais carnal cria que já flertara. Instalado no local, sem que o ambiente lhe exigisse qualquer cerimônia, estava a ponto de se sentir à vontade por inteiro.


Vem o vaticínio, novamente na forma de um convite.


- venha, quero que conheça minhas irmãs!

- irmãs?

- sim, não. Na verdade são minhas primas, mas como crescemos juntas e dividimos tudo sempre, somos como irmãs.

- então vamos! Claro, por que não?!


E foi assim, no apresentar rápido e despretensioso, que os quatro foram postos cara a cara, sem pausa para um drinque. Começava o desenrolar desse novelo.


- você?

- como assim, você? De onde você o conhece?

- nem você e nem de onde você o conhece!! De onde vocês duas o conhecem? E você, como conhece as duas?


Desnecessário é dizer que qualquer explicação ou justificativa fora inútil. Num piscar de olhos da solidariedade feminina o julgamento estava feito, a condenação expedida e lavrada nos autos. Expulso do hall da fama para alojar-se junto aos desprovidos de caráter.

É meu caro, você abusou da regra três, diria o poeta. Sem, contudo, condenar-te, jamais cometeria tal imprudência. Alguns conselhos com certeza.


Findada a garrafa e com a vitrola a repetir seus versos, levantou, viu que a noite se aproximava. Com ares de agradecimento, lembrou-se delas, teve a sorte de suas convivências. Recompôs-se e enquanto o fazia, pensara em como seria aquela que fosse todas juntas num só ser, como já disse um poeta lá do Capibaribe.


Saiu para os braços da noite pensando em encontrar uma que assim o fosse. Antes do último lance de escadas sorriu.


- que seja tomara que eu a encontre, ou não. Que a vida continue a me surpreender.


Continuava a invejar os orgasmos. Mas deixara de lado a necessidade de entender como quem busca dissecar, buscava agora compreender e admirar. Não sentia culpa pelo ocorrido. Bobagem. Viveu tudo o que falou e sentiu com cada uma. Porém, desta vez em diante, tomaria mais cuidado.

1 comentários:

alice_ disse...

esses moços tão muito rossi-machadianos...

(ainda bem, pois nem só de 'foice' vive o homem! haah)