terça-feira, 9 de agosto de 2011

Cachaça e pedaços de Vidro


Eu vinha caminhando pela noite suja desta cidade imensa. Acabara de sair de uma festa e já me encontrava bastante alcoolizado e as paredes pelo caminho me salvaram mais de uma vez de acabar na sarjeta com a cara enfiada nas poças de lama. Minha roupa cheirava a cigarro e isso só fazia piorar o modo como minha cabeça girava. 

O metrô naquele horário parecia estranhamente calmo, como se a cidade, mesmo daquele tamanho, decidisse ir dormir mais cedo, deixando a noite para os bêbados e assaltantes de plantão. E logo um destes batedores de carteira veio me abordar, exigindo que eu passasse toda a grana que eu não tenho. Para não sair de mãos abanando, ele levou outro passe de Ônibus que eu ainda possuía. Uma perda pequena após uma boa cachaçada.

Desci na minha estação e segui caminhando pela avenida. Ventava como se Deus quisesse limpar as ruas de toda a escória e estava difícil de continuar daquele jeito, mas mais de uma vez o cara lá de cima atentou contra mim e não seria desta vez que ele venceria. Continuei caminhando, mas não demorou até que eu finalmente caísse no chão após tropeçar em uma falha qualquer na calçada. Ouvi junto com o vento uma risada e já ia praguejar contra os céus quando olhei mais adiante e uma garota veio em minha direção. Perguntou se eu precisava de ajuda e mesmo respondendo que não ela me pôs de pé. Devo admitir que sem ela eu teria ficado ali e descansado um pouco antes de prosseguir. 

Perguntou-me se eu conseguiria prosseguir, mas ao me soltar, quase caí novamente. Ela perguntou onde eu morava e perguntou se gostaria que ela me levasse até lá. Bravejei que meu dinheiro havia se acabado e que não poderia gastar com mulheres de vida fácil como ela. Riu alto como estas sujeitas estão acostumadas e disse que a noite estava ruim e que esperava que com uma boa ação aquilo pudesse melhorar. Aceitei a ajuda e na porta de casa, senti o vento frio cortar o corpo de ambos e perguntei se ela não gostaria de entrar e tomar um café. Aceitou logo e ao entrar na casa logo foi tirando o casaco. Sentou-se no sofá e perguntou se poderia fumar ali. Mesmo não tendo estes hábitos, permiti que ela o fizesse. 

A idéia de fazer um café logo foi adiada pois já não havia pó para isso, mas achei no armário uma garrafa velha de cachaça. Peguei dois copos e levei para a mesinha da sala. Sem encontrar nenhum abridor por ali, resolvi abrir na beirada da mesa. Devido ao meu estado exagerei na força e acabei quebrando o bico da garrafa. Quase deixei cair uma lágrima por ter perdido a garrafa, mas a garota a tomou de minhas mãos, encheu os dois copos e me entregou um deles. Disse que sabia bem que ambos haviam vivido tanta coisa que uns poucos pedaços de vidro não nos mataria. Virei meu copo e tive que admitir que foi uma das melhores doses da minha vida. 

Mal acabei de tomar outra dose e comecei a reparar na minha salvadora. Usava uma saia curtíssima e colada ao corpo. Deixava à mostra pernas bem feitas envolvidas com uma meia calça que só fazia melhorar a visão. Estava com uma blusa de alcinhas que corriam o perigo de arrebentar por conta do peso dos seios fartos. Sentei-me ao lado dela e comecei a perguntar mais sobre ela. A quanto tempo estava naquela vida, de onde era, quantos anos tinha. Me disse várias coisas, conforme a garrafa ia sendo esvaziada, ela dizia mais sobre seus sonhos, esperanças e amores. Não sei em que momento aconteceu, mas quando dei por mim ela estava chorando. Abracei-a e acabamos nos beijando. Um beijo forte, intenso e agressivo, como se antes de oferecer nosso amor, estivéssemos tentando ferir um ao outro. Coisa típica de pessoas que já foram muito machucadas pela vida. Arranquei sua roupa e joguei a saia longe. Na violência do momento acabei rasgando sua meia calça. Ela arrancou os botões de minha camisa na fúria de seu desejo. Senti suas unhas marcando fundo em minha pele o seu desejo. Colocou o preservativo como somente as profissionais conseguem, com uma habilidade perfeita. Jogamos-nos no chão da casa sobre meu velho tapete herdado de algum parente a muito enterrado. Nos amamos como dois solitários à procura de um pouco de calor na vida fria que levávamos. Seu perfume barato inundava meu corpo e me fazia sentir mais desejo ainda daquele corpo. Chegamos ao orgasmo juntos e a seguir adormecemos ali mesmo.

Acordei com uma ressaca gigante. Estava nú e abandonado no chão da sala. Procurei pela casa pela minha companheira e só achei fragmentos de sua presença. Uma toalha molhada abandonada no banheiro, o perfume na cozinha e um bilhete junto à garrafa vazia:

“ Desculpe não estar aqui quando você acordar, mas eu precisava voltar para casa. Adorei a noite que passei contigo e por favor tenha mais juízo ao sair pelas ruas naquele estado. Nem sempre poderá contar com minha ajuda para chegar em casa. “
Beijos,

XXXXXXXXXXX

O bilhete me deixou com um sorriso bobo e disposição para voltar ao velho computador e voltar a escrever. Ela voltou mais de uma vez à minha procura e foi recebida todas as vezes. Acabei me afeiçoando àquela mulher da vida, mas logo descobri que ela havia ido embora para outra cidade por ocnta de uma ótima oportunidade de emprego. E minha surpresa foi ainda maior ao descobrir que eu era conhecido nos pontos da cidade como um cavalheiro e que ela havia ido embora por ter se apaixonado por mim. E para minha infelicidade ela não deixara contato ou meios de ser comunicada.

Por isso, escrevo estas linhas e as publico na esperança de que seja onde minha amada esteja, ela leia e saiba que eu ainda a espero em minha casa suja, com a garrafa de cachaça e com tanto amor no coração que chega a doer. E que não precisa avisar antes, pois meu corpo e meu amor à esperam ali no mesmo lugar, para nunca mais deixá-la ir embora.

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